
Publicado por : Associação Ginecologistas | Dia : 26-11-2021 | Gostar Inicie a sua sessão para gostar e partilhar esta dica 987
Pesquisa Clínica: Um guia para clínicos atarefados
Cadernos de apoio à Metodologia de Investigação
Material compilado e traduzido por Prof. Doutor António Bugalho, com autorização de David Grimes, Kenneth Schulz e Robert Jaffe, editores do Obstetrical and Gynecological Survey.
Introdução
No início do século XIX Karl Baedeker, um editor alemão, lançou uma série de livros de viagem. No século XX, estes livros atingiram tal fama que o seu nome ficou sinónimo deste tipo de publicações. Como clínicos mergulhados na enorme quantidade de literatura publicada, um guia poderia ser uma boa ajuda à navegação. Neste artigo oferecemos um tipo de guia semelhante para ajudar a ler a avalanche de pesquisa publicada, baseados na nossa própria experiência de pesquisadores de mais de 30 anos (1-11).
Ler pesquisa é fundamental para um clínico se manter actualizado. Com o avançar da idade e acumulo de experiência, a prática clínica deveria melhorar. Paradoxalmente, contudo, mais idade e experiência traduz-se em prática mais rústica. Como foi demonstrado no tratamento da hipertensão, os principais determinantes da prática clínica foram os anos decorridos desde que o médico acabou a universidade; a qualidade da prática deteriora-se com o andar do tempo (12-13). Manter-se actualizado é difícil depois de terminar o treino formal, principalmente para quem pratica em comunidades mais pequenas (14). Se não conseguimos ler (ou escolhemos não o fazer) a nossa prática torna-se obsoleta. Isto prejudica indirectamente os pacientes.
Outro benefício de fazer uma leitura crítica é a adopção ou rejeição de novas tecnologias. A obstetrícia e ginecologia têm no seu todo uma longa lista de adopção e disseminação de procedimentos sem evidência de benefício. A episiotomia, um dos procedimentos mais frequentemente efectuados em mulheres no século passado foi praticamente varrida da prática habitual depois dos trabalhos de DeLee (16).
As titulações do estriol urinário para monitorizar o feto foram substituídas por testes mais caros (non stress test) para os quais também não existe evidência de benefício (17). A monitorização electrónica do feto tomou a obstetrícia dos Estados Unidos de rompante na ausência de qualquer benefício demonstrável; 25 anos de estudos não conseguiram demonstrar qualquer benefício para as crianças, e o pouco valor preditivo dos traçados levou apenas a um aumento das taxas de cesarianas (18). Citologia cervical baseada em colheita líquida demonstrou não reduzir a incidência e mortalidade de cancro do colo do útero, e o custo por caso de cancro detectado é maior com esta abordagem do que com citologia convencional (18). Ironicamente mulheres pobres com mais risco para este tipo de cancro não conseguem usufruir deste tipo de rastreio (20). Novas operações laparoscópicas foram recusadas por um editor por não poderem ser corroboradas por outros estudos (21-22). Isto também prejudica os pacientes.
Embora ler pesquisa clínica seja extremamente importante, não é uma tarefa fácil. Primeiro o volume de informação é enorme, partindo da estimativa de 25000 jornais biomédicos actualmente editados. Um desafio é escolher o que ler. Em geral a maior parte dos leitores devem limitar-se a artigos que são ao mesmo tempo relevantes para a sua prática e de alto nível científico. Estes dois critérios estreitam imediatamente o campo.
Uma vez que se selecciona um artigo, outro problema aparece: muitos clínicos referem que não conseguem ler criticamente a literatura (23). Os nossos graduados terminam a sua formação o treinamento cheio de material “entulhado” na cabeça, e mesmo assim não têm uma abordagem suficientemente científica quer para a literatura quer para a prática clínica.
Posto doutra maneira, o analfabetismo científico é um problema emergente e responsável por falhas na educação médica (24). Ao encarar este problema, este guia comentará os principais tipos de pesquisa clínica, descreverá duas questões fundamentais acerca de validade, fará realce para um check list de quatro pontos para os leitores, descreverá a interpretação das medidas mais comuns de associação, e chamará a atenção para regras de conduta ao executar e descrever ensaios controlados randomizados.
Embora o nosso objectivo seja a pesquisa envolvendo humanos, os mesmos princípios se aplicam a pesquisa animal e laboratorial.